INTRODUÇÃO

A bitributação nas palavras de Alexandre Ricardo (2016, p.206) ocorre quando “[…] entes tributantes diversos exigem do mesmo sujeito passivo tributos decorrentes do mesmo fato gerador”, ou seja, uma mesma circunstância que origina a obrigação de pagar impostos, é alvo de duas incidências distintas, impostas por entidades distintas.

No cenário interno do Brasil, a bitributação pode surgir, por exemplo, em situações de conflito de competência entre as entidades federativas. Um exemplo típico seria o conflito entre a aplicação do ISS (Imposto Sobre Serviços), de responsabilidade municipal, e do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), de responsabilidade estadual, em certas transações que englobam componentes tanto de serviço quanto de movimentação de mercadorias.

Tendo em vista que a Constituição Federal delimitação de maneira fixa as competências tributárias entre os entes federados, fica claro a vedação a bitributação, segundo Alexandre Ricardo (2016, p.206) “[…] bitributação está, como regra, proibida no Brasil e os casos concretos verificados normalmente configuram conflitos aparentes de competência, devendo, portanto, ser resolvidos à luz dos respectivos dispositivos constitucionais.”

Portanto, entender a bitributação, suas origens e as ferramentas legais para evitá-la é crucial para assegurar um sistema fiscal mais equitativo, eficaz e em sintonia com as demandas de uma economia cada vez mais globalizada.

O IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO – IPTU

O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) é um tributo de competência dos municípios e do Distrito Federal, conforme estabelecido pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 156, inciso I. Trata-se de um imposto direto que incide sobre a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis localizados em zonas urbanas.

O IPTU é classificado como um imposto de natureza real, ou seja, incide sobre o bem imóvel independentemente da condição econômica do proprietário. O fato gerador do imposto é a propriedade, nas palavras de Alexandre Ricardo (2016, p.587) “[…] o IPTU tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.”, logo, a posse de imóvel urbano, e o sujeito passivo da obrigação tributária é o proprietário, o titular do domínio útil ou o possuidor a qualquer título.

Este tributo apresenta periodicidade anual e a competência legislativa para sua instituição e regulamentação é exclusiva dos municípios, os quais possuem autonomia para definir as alíquotas, critérios de avaliação e eventuais isenções, desde que respeitados os princípios constitucionais e as diretrizes da Lei de Responsabilidade Fiscal.

De acordo com Alexandre Ricardo:

“[…] a base do cálculo do IPTU é o valor venal do imóvel. O parágrafo único do dispositivo afirma que, na determinação da base de cálculo, não se considera o valor dos bens móveis mantidos, em caráter permanente ou temporário, no imóvel, para efeito de sua utilização, exploração, aformoseamento ou comodidade.” (2016, p.588):

Esses critérios geralmente consideram a localização do imóvel, a área do terreno, a área construída, o tipo de uso (residencial, comercial, industrial), o padrão de construção, entre outros.

As alíquotas do IPTU são fixadas por lei municipal sendo comum a adoção de alíquotas mais elevadas para imóveis não edificados ou subutilizados, como forma de incentivar o uso racional da propriedade urbana, respeitando o princípio da função social da propriedade.

Conforme Alexandre Ricardo (2016, p.583), o IPTU “[…] possui característica predominantemente fiscal, sendo importante fonte de arrecadação municipal, sem prejuízo da sua excepcional utilização extrafiscal, prevista no art. 182, § 4.º, II, da CF/1988, conforme se passa a analisar”, deixando claro que a política de desenvolvimento urbano deve ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Nesse contexto, o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 2001) autoriza o uso do IPTU progressivo no tempo como mecanismo de combate à especulação imobiliária e incentivo à utilização adequada dos imóveis urbanos.

Logo, o IPTU constitui importante ferramenta de arrecadação para os municípios, sendo essencial para a manutenção dos serviços públicos locais. Sua adequada gestão pode contribuir significativamente para o planejamento urbano, o combate à ociosidade de imóveis e a promoção de uma ocupação mais justa e eficiente do solo urbano. A progressividade do imposto, aliada a políticas públicas urbanas, reforça o papel social da tributação no contexto municipal.

O IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – ICMS

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é um tributo de competência dos Estados e do Distrito Federal, previsto no artigo 155, inciso II, da Constituição Federal de 1988. Trata-se de um dos principais impostos do sistema tributário brasileiro, tanto em termos de arrecadação quanto de complexidade normativa, incidindo sobre uma ampla gama de operações que envolvem circulação de bens e prestação de serviços.

Quanto ao fato gerador Alexandre Ricardo afirma que:

“As legislações estaduais, dentro das balizas traçadas pela Lei Complementar 87/1996, têm definido como um dos fatos geradores do ICMS a saída da mercadoria do estabelecimento comercial. Além disso, a própria LC 87/1996 afirma, em seu art. 2.º, § 2.º, que a caracterização do fato gerador independe da natureza jurídica da operação que o constitua.” (2016, p.576)

A base de cálculo do ICMS é o valor da operação, ou, no caso de prestação de serviços, o valor do serviço como asseveram Alexandre Ricardo:

“Segundo o art. 155, § 2.º, XI, da CF/1988, o ICMS não compreenderá, em sua base de cálculo, o montante do imposto sobre produtos industrializados, quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos dois impostos.” (2016, p.577)

Além do recolhimento do imposto, devem os contribuintes cumprir com diversas obrigações acessórias, como a emissão de mota fiscais eletrônicos, escrituração de livros fiscais digitais entre outras.

O ICMS é frequentemente apontado como um dos tributos mais complexos do país, devido à existência de 27 legislações estaduais distintas e às constantes disputas entre os entes federados, o que deu origem ao fenômeno conhecido como “guerra fiscal”, acontecimento esta que gera insegurança jurídica e desequilíbrios na arrecadação entre os Estados, o que motivou diversas discussões no Supremo Tribunal Federal e levou à criação de leis complementares, como a Lei Complementar nº 160/2017, que busca convalidar benefícios fiscais concedidos unilateralmente.

Desta forma, o ICMS representa uma das principais fontes de receita dos Estados e do Distrito Federal, exercendo papel fundamental no financiamento de políticas públicas regionais. Contudo, sua complexidade, variação de alíquotas e conflitos federativos tornam sua gestão e compreensão desafiadoras.

O IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISS

O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), ou ISSQN, é um tributo de competência dos Municípios e do Distrito Federal, conforme estabelece o artigo 156, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Trata-se de um imposto direto que incide sobre a prestação de serviços realizada por empresas ou profissionais autônomos, desde que tais serviços estejam elencados na lista anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.

Logo, podemos dizer que se trata de imposto de natureza real e não cumulativo, incidindo sobre a prestação de serviços de qualquer natureza, desde que esses serviços não estejam compreendidos na competência tributária dos Estados o que ocasionaria com o já discutido ICMS.

O Art. 1º da LC 116/2003 dispõe que:

“Art. 1.º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador. § 1.º O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País.
§ 2.º Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias.
§ 3.º O imposto de que trata esta Lei Complementar incide ainda sobre os serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço.
§ 4.º A incidência do imposto não depende da denominação dada ao serviço prestado”

Logo fato gerador do ISS é a efetiva prestação do serviço, com ou sem habitualidade, por pessoa jurídica ou física, com finalidade lucrativa ou não.

Alexandre Ricardo afirma que:

“O ISS é lançado por homologação, pois é o próprio sujeito passivo que, a cada fato gerador, calcula o montante do tributo devido e antecipa o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, cabendo a esta verificar a correção do procedimento e, se for o caso, homologá-lo, podendo, ainda, lançar de ofício as diferenças porventura devidas.” (2016, p.600)

Portanto, tendo em vista o lançamento por homologação, o contribuinte deve ter em vista uma questão importante relacionada ao ISS, o que diz respeito ao local da prestação do serviço, ou seja, qual município tem o direito de arrecadar o imposto.

Sua base de cálculo frui do valor bruto da prestação do serviço, ou seja, o montante total recebido pelo prestador em razão da execução do serviço contratado, conforme que segundo Alexandre Ricardo (2016, p.600) “A base de cálculo do ISS é o preço do serviço, conforme definido pelo art. 7.º da LC 116/2003. Não poderia ser diferente, pois a base de cálculo deve ser sempre uma grandeza que quantifique a riqueza tributada pelo imposto.”

Assim sendo, o ISS desempenha papel fundamental no custeio dos serviços públicos locais dado que Alexandre Ricardo (2016, p.596) atribui ao mesmo “[…] possui nítida finalidade fiscal, constituindo-se em importante fonte de recursos para o desempenho da atividade financeira dos Municípios.”. Logo sua correta aplicação contribui para o equilíbrio das contas públicas e para o desenvolvimento urbano.

A BITRIBUTAÇÃO NOS TRIBUTOS IPTU, ICMS E ISS

Em razão da repartição Constitucional de competências tributárias entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, é comum a ocorrência de conflitos de competência. Tais divergências, por vezes, resultam na exigência simultânea de tributos por entes distintos sobre o mesmo fato gerador, em relação ao mesmo contribuinte e no mesmo período. A esse fenômeno jurídico dá-se o nome de bitributação.

O IPTU é de competência dos Municípios e incide sobre a propriedade de bens imóveis localizados em áreas urbanas, logo, a principal hipótese de bitributação ocorre quando há conflito entre a incidência do IPTU e do ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural), este último de competência da União.

Esse conflito acontece quando um imóvel localizado em área considerada urbana (incidência de IPTU) possui características de uso rural. Nesses casos, a jurisprudência tem decidido com base na finalidade do imóvel, ou seja, se o imóvel é utilizado para fins extrativistas, agropecuários, florestais ou similares, mesmo situado em zona urbana, incide o ITR, e não o IPTU.

De igual forma, pode haver bitributação de IPTU em áreas fronteiriças entre dois municípios, fato este que é recorrente no contexto federativo brasileiro. Esse tipo de conflito ocorre quando ambos os entes municipais consideram determinado imóvel como pertencente ao seu território e, consequentemente, inserem-no em sua base de cálculo para fins de cobrança do IPTU.

Nessas situações, o contribuinte tende a receber notificações fiscais de dois municípios distintos, exigindo o pagamento do mesmo tributo sobre um único imóvel, o que caracteriza violação ao princípio da vedação à bitributação.

Quanto ao ICMS, a bitributação ocorre em situações onde há conflito com o ISS, imposto de competência municipal, principalmente em atividades mistas.

Outra forma de bitributação do ICMS pode ocorrer quando dois Estados diferentes reivindicam a competência para tributar a mesma operação de circulação de mercadorias devido a divergência sobre o seu local de origem ou de destino, sendo o contribuinte compelido a recolher o imposto para dois Estados distintos, o que viola o princípio do não confisco e da legalidade estrita.

Os principais casos de bitributação envolvendo o ISS ocorrem por conflitos com o ICMS, conforme mencionado anteriormente, e também por disputas entre municípios sobre o local da incidência do imposto.

Com o vigor da Lei Complementar nº 157/2016, foram modificadas as regras de competência do ISS em relação a alguns serviços específicos, como planos de saúde, leasing e administração de cartões. Isso gerou insegurança jurídica e múltiplas exigências do mesmo tributo por diferentes municípios, configurando nova forma de bitributação no âmbito municipal.

Dessa forma, é possível concluir que a complexidade do sistema tributário brasileiro, especialmente no que diz respeito à definição das competências tributárias entre os entes federativos, contribui para a ocorrência de equívocos na cobrança de tributos, gerando em determinadas situações, o dever do Estado de indenizar o contribuinte prejudicado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em um país com a complexidade federativa como o Brasil, a sobreposição de tributos pode ocorrer com frequência, especialmente em áreas de interseção entre as competências dos diferentes entes. Essa multiplicidade de tributos, quando não bem delimitada, gera um ambiente de insegurança jurídica e obriga o contribuinte a navegar por um labirinto de regras fiscais que, muitas vezes, são difíceis de compreender e seguir.

Apesar dos esforços legislativos e das decisões jurisprudenciais que buscam evitar a bitributação e garantir a justiça fiscal, a realidade ainda é marcada por um sistema tributário cheio de ambiguidades e lacunas.

Desta forma, podemos afirmar que o fortalecimento dos mecanismos de cooperação entre os diferentes entes federativos é essencial, pois a sobrecarga tributária resulta diretamente de conflitos de competência e de uma falta de coordenação entre as administrações fiscais municipais, estaduais e federais. A adoção de critérios técnicos e objetivos, baseados em uma análise profunda dos fatos geradores dos tributos, é crucial para que se evite a sobreposição indevida e se promova a justiça fiscal.

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