A concepção de posse adotada pela legislação cível filia-se à definição da posse realizada por Rudolf von Ihering, conforme se desprende da previsão positivada no art. 1.196 do Código Civil, ao dispor que: “considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. Para Ihering, a posse é evidenciada na conduta externa do sujeito em relação ao bem, ou seja, o controle da coisa pelo sujeito, sem necessidade de apurar a intenção do indivíduo (animus domini).

Todavia, no que tangencia a aquisição originária da propriedade por meio da usucapião, o Código Civil adotou a teoria objetiva formulada por Friedrich Karl von Savigny, que parte do pressuposto de que a posse consiste no poder do indivíduo de dispor do bem, acompanhado da intenção de possuí-lo, bem como de defender seu exercício contra eventuais ameaças de terceiros.

Amparado pela concepção formulada por Savigny, para a regularização da propriedade por meio da usucapião, é fundamental comprovar o exercício de uma posse qualificada, mantida pelo período exigido para a modalidade específica – como Usucapião por Abandono do Lar, Usucapião Constitucional Urbano, Usucapião Constitucional Rural, Usucapião Ordinária e Usucapião Extraordinária. Além disso, é necessário que essa posse tenha sido exercida de forma justa, conforme concebido pelo art. 1.200 do Código Civil, que prevê que é justa a posse que não for violenta (sem necessidade de recorrer à força ou ameaça), clandestina (apropriação indébita) ou precária (abuso de confiança do possuidor que indevidamente detém a coisa).

Somado a isso, é essencial que o exercício da posse seja justo na forma positiva do art. 1.200 do CC/02, ou, ainda, que o ato antijurídico tenha cessado. Nesse interim, os ensinamentos firmados pelo ilustre Fabrício Zamprogna Matiello nos ensinam que: “superado o defeito, começa a formar-se a nova posse, mesmo porque incumbe ao titular original adotar as medidas pertinentes visando evitar a consolidação do direito da parte contrária”.

Portanto, a posse precisa ser qualificada para fins de reconhecimento da propriedade por via da usucapião, devendo o sujeito comprovar que o exercício da sua posse, além de justa, mansa, foi exercido de maneira pacífica (sem oposição de terceiros) e ininterrupta no período estabelecido pelo ordenamento jurídico. Além disso, é imprescindível que todo o período de exercício de posse tenha sido exercido com animus domini, que, conforme dito anteriormente, para Savigny, consiste na intenção do possuidor de possuir o bem como se dono fosse, requisito elementar na usucapião na modalidade extraordinária, pois o prazo para sua configuração começa a ser contabilizado a partir do momento em que restar configurado o animus domini.

Exemplificando a comprovação dessa situação fática por meio de documentação em um procedimento de usucapião, é possível demonstrar o exercício da posse com animus domini mediante a solicitação da lavratura do instrumento público denominado Ata Notarial de Constatação. O sobredito documento, dotado de fé pública e valor probatório, tem a finalidade de registrar fatos relevantes para a comprovação da posse.

O tabelião, nesse contexto, desempenha a função de testemunhar e documentar a existência ou condição da posse, inclusive apurando as intenções e circunstâncias envolvidas na ocupação do bem, conferindo maior segurança jurídica ao processo. Isso porque, considerando que a posse é uma situação que pode ser observada e comprovada empiricamente, por meio de evidências tangíveis e fáticas, como a ocupação de um espaço físico, os depoimentos de vizinhos e testemunhas que residem na circunscrição do imóvel são de suma importância para apurar o quanto for preciso e, consequentemente, inexistir dúvidas e imprecisões sobre o exercício da posse apta a gerar o reconhecimento da propriedade.

Na via extrajudicial, a Ata Notarial para fins de usucapião desempenha um papel essencial, pois verifica a presença dos pressupostos necessários para o reconhecimento da usucapião, tornando-se um requisito indispensável para o procedimento (condição sine qua non), sendo um instrumento público à disposição da sociedade para registrar fatos jurídicos pelo notário, sem a emissão de juízo de valor ou manifestação de vontades do tabelião.

Sua previsão legal encontra-se positivada na Lei nº 8.935/1994, que regulamenta os serviços notariais e de registro, especificamente em seu artigo 6º, no qual se consignou que compete ao notário a realização de diligências in loco na circunscrição do imóvel a ser regularizado por meio da usucapião, incluindo entrevistas com confinantes e testemunhas, a fim de autenticar a situação fática: o exercício da posse.

Além disso, para comprovar que a aquisição da posse ocorreu sem vícios, ou seja, sem o uso de violência, clandestinidade ou precariedade, o Provimento 121 de 13 de julho de 2021 do CNJ (legislação correlata que regulamenta o procedimento extrajudicial de usucapião) estabelece, na via extrajudicial, a necessidade de demonstrar a origem da posse. Isso significa que o interessado deve apresentar provas sobre a forma pela qual adquiriu a posse, o que pode ser realizado por meio de apresentação de documentos, como, por exemplo, contrato de compra e venda, doação, sucessão hereditária, cessão de posse, entre outros instrumentos reconhecidos legalmente como válidos e que podem ser considerados como justo título.

Por fim, e não menos importante, para comprovar que o exercício da posse ocorreu dentro do período necessário para a utilização do instituto da usucapião como forma de aquisição originária da propriedade, o jurisdicionado poderá demonstrar perante o julgador ou registrador que, durante todo o lapso temporal, efetuou o pagamento de contas de fornecimento de energia e água em seu nome, além do pagamento dos impostos incidentes sobre o imóvel, como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), no caso de imóveis situados no perímetro urbano. Para imóveis situados na zona rural, a comprovação de pagamento de impostos rurais (como ITR, CCIR, CAFIR).

Na hipótese da usucapião pela via extrajudicial, caso o jurisdicionado não consiga comprovar de forma satisfatória o exercício de posse no período sinalizado, o registrador poderá recomendar, inclusive, a instauração do procedimento de Justificação Administrativa, na forma do art. 216-A, §15º da Lei de Registros Públicos, procedimento este conduzido exclusivamente pelo Cartório de Registro de Imóveis.

Diante do exposto, deve-se conceber que a posse justa e qualificada para o reconhecimento da propriedade pela via da usucapião extrajudicial deve atender aos requisitos da legislação cível aplicável à matéria e das legislações correlatas que regulamentam o procedimento pela via extrajudicial, como o Provimento 121/2021 do CNJ, o Código de Normas e Procedimentos do Estado no qual se situa o imóvel e, ainda, a Lei de Registros Públicos, devendo a sua aquisição ter ocorrido sem nenhuma violência, precariedade ou clandestinidade, com a comprovação de que todo o seu exercício ocorreu de maneira mansa, pacífica e ininterrupta, com animus domini, ou seja, com a intenção de ser o verdadeiro proprietário do bem, durante o período exigido para a modalidade de usucapião.

FONTES:

Farias, Cristiano Chaves de Reais / Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald. – 11. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Atlas, 2015. (Curso de direito civil; v. 5).

GROSSI, Paolo. História da propriedade e outros ensaios. Tradução de Luis Ernane Fritoli. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil comentado. São Paulo: LTr, 2003.

MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de direito civil português: Parte Geral – Coisas. 2. ed. Lisboa: Livraria Almedina, 2002. t. II.

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