A solidez de uma incorporadora não depende apenas da qualidade das obras que entrega, mas da segurança jurídica que sustenta cada empreendimento. O setor imobiliário, pela sua complexidade e alto grau de regulação, está constantemente exposto a riscos financeiros e administrativos que podem comprometer tanto a rentabilidade quanto a reputação da empresa. Dois exemplos claros desses riscos são os distratos, com o impacto da aplicação da Selic, e as multas decorrentes de imóveis irregulares. Embora distintos, esses problemas conversam entre si e evidenciam a necessidade de um planejamento jurídico preventivo.

Nos distratos, o desafio mais evidente é o aumento expressivo do valor a ser devolvido ao comprador desistente quando a Justiça aplica a taxa Selic. Para uma incorporadora que já assumiu custos com corretagem, marketing, taxas administrativas e até despesas iniciais de obra, essa diferença pode representar uma perda significativa de capital.

Esse cenário demonstra que não basta confiar em cláusulas contratuais genéricas. É imprescindível que os contratos de promessa de compra e venda prevejam de forma detalhada os prazos de devolução, os critérios de atualização monetária e as hipóteses de retenção. Além disso, é fundamental que a incorporadora mantenha uma documentação organizada, capaz de comprovar todas as despesas realizadas, de modo a justificar judicialmente as deduções previstas. Sem esses cuidados, o risco de a Selic pesar contra a empresa é considerável.

O grande equívoco de muitas incorporadoras é imaginar que a questão dos distratos se resume a um embate em juízo. Na realidade, ela começa na fase contratual. Quanto mais claro e objetivo for o contrato, menor a margem de interpretação judicial e maior a chance de reduzir o impacto financeiro de uma eventual rescisão. A proteção jurídica, nesse sentido, é um investimento que preserva o caixa da empresa e evita desequilíbrios em toda a operação.

Mas não é apenas no campo dos distratos que a falta de cautela gera problemas. As multas por imóveis irregulares representam outro ponto de fragilidade recorrente. Muitas vezes, uma obra avançada ou até concluída ainda não possui habite-se, não está devidamente registrada em cartório ou acumula pendências junto a órgãos ambientais e urbanísticos. Essas irregularidades podem resultar em autuações, embargos e na inviabilidade de comercialização das unidades, afetando diretamente a saúde financeira do empreendimento.

A ausência de regularização, além de abrir espaço para multas, cria insegurança jurídica que afasta investidores e compradores. Bancos e instituições financeiras, por exemplo, exigem conformidade documental para liberar financiamentos. Sem ela, a incorporadora não apenas corre risco de sanções, como também perde competitividade no mercado. Assim, a regularidade registral e administrativa deixa de ser mera burocracia e passa a ser fator estratégico para a viabilidade econômica do projeto.

Prevenir multas decorrentes de imóveis irregulares exige um passo a passo claro: análise minuciosa da matrícula, regularização junto à prefeitura para obtenção do habite-se, conferência de licenças ambientais e alvarás e, por fim, registro das alterações relevantes em cartório. Esse roteiro jurídico não apenas evita autuações, mas também fortalece a posição da incorporadora em qualquer litígio relacionado ao empreendimento.

Da mesma forma, a prevenção nos distratos se constrói com a adoção de cláusulas transparentes, retenções proporcionais e comprovação documental das despesas. O contrato e a regularização do imóvel, portanto, não podem ser tratados como realidades apartadas: são duas frentes complementares de uma mesma estratégia de proteção jurídica.

É preciso compreender que tanto o impacto da Selic nos distratos quanto as multas por irregularidades não surgem por acaso, mas como consequência da ausência de planejamento. Incorporadoras que tratam o aspecto jurídico como parte intrínseca do negócio conseguem se antecipar a problemas e reduzir significativamente a exposição a riscos. Já aquelas que deixam a regularização e a estrutura contratual em segundo plano acabam lidando com litígios custosos e com a perda de credibilidade.

Outro ponto relevante é que a proteção jurídica não se limita ao momento da contratação ou da regularização inicial. Trata-se de um processo contínuo, que exige monitoramento constante, atualização das práticas conforme as decisões judiciais mais recentes e revisão periódica dos contratos utilizados. O direito imobiliário é dinâmico e a incorporadora que deseja longevidade precisa acompanhar essas mudanças.

A experiência mostra que muitas disputas poderiam ser evitadas se houvesse uma cultura de compliance imobiliário dentro das empresas. Isso significa adotar políticas internas de conferência documental, padronização contratual e acompanhamento jurídico desde a aquisição do terreno até a entrega final das unidades. Essa postura reduz a chance de litígio e transmite maior segurança a clientes e investidores.

Além da proteção financeira, existe também um ganho intangível, mas igualmente valioso: a reputação. Incorporadoras que demonstram cuidado jurídico são vistas como mais sólidas, profissionais e confiáveis. Em um mercado altamente competitivo, essa percepção pode ser decisiva para atrair investidores e clientes, especialmente em empreendimentos de médio e grande porte.

Em síntese, distratos onerados pela Selic e multas decorrentes de imóveis irregulares são faces diferentes de um mesmo problema: a ausência de um planejamento jurídico preventivo. Encarar o direito imobiliário como parte estratégica do negócio é o caminho para reduzir riscos, preservar o caixa e fortalecer a posição da incorporadora no mercado.

Por isso, a recomendação é clara: investir em contratos bem elaborados, regularização rigorosa e assessoria jurídica especializada. Esses cuidados evitam surpresas desagradáveis, protegem o patrimônio e asseguram a continuidade saudável dos empreendimentos. Afinal, a verdadeira blindagem de uma incorporadora não está apenas no concreto que ergue seus prédios, mas na solidez jurídica que sustenta cada projeto.

Rodrigo dos Santos Souza
OAB/BA 40.888

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